O debate em torno da desvinculação de benefícios trabalhistas e previdenciários ao salário mínimo é antigo. Na Reforma Previdenciária, efetivada em 2019, este era um dos pontos polêmicos, que não vingou. No entanto, especialistas na época alertavam que os pontos deixados em aberto iriam ser em algum momento retomados.
Com a posse do atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva, tal preocupação parecia em espera, visto a política de valorização do salário mínimo que é bandeira da gestão. Porém, o déficit previdenciário vem ganhando maiores contornos e o tema de uma nova reforma previdenciária ganhou fôlego há cerca de um mês, impulsionado por alguns dos ministros do governo, entre eles Simone Tebet, Ministra do Planejamento e Orçamento. Em audiência pública no Congresso Nacional, Tebet afirmou que o governo estava analisando as vinculações de benefícios trabalhistas e previdenciários, não relacionados à aposentadoria, como o Benefício de Prestação Continuada – pago a pessoas com deficiência e a idosos maiores de 65 anos que possuem renda familiar abaixo de um quarto do salário mínimo -, o abono salarial e o seguro-desemprego.
Na sequência, em entrevista, Lula, ao ser questionado, afirmou rapidamente que é contra a desvinculação tanto da aposentadoria como dos demais benefícios trabalhistas e previdenciários ao salário mínimo, e que enquanto for presidente manterá este posicionamento.
Apesar do pronunciamento do presidente, que vê inclusive a política de valorização como investimento, a proposta de sua Ministra de “modernizar” as vinculações de benefícios preocupa. Tanto Tebet quanto o Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, vem sendo foco de notícias a esse respeito pela busca de alternativas para equilibrar as contas do governo, que acabam invariavelmente passando em torno dos benefícios previdenciários e trabalhistas.
O ponto é sensível, já que é vinculado à disposição da Constituição Federal e, portanto, a modificação depende de Emenda, e por ter potencial de afetar uma gama gigantesca de famílias brasileiras que dependem da aposentadoria e outros benefícios tanto previdenciários quanto trabalhistas para ter segurança em sua subsistência.
O vislumbre de uma nova reforma também chama a atenção em vista de as modificações implementadas em 2019 já abarcam pontos de impacto polêmicos, como a extinção da aposentadoria por tempo de contribuição e a imposição de idade mínima de 62 anos para mulheres e 65 para homens, por exemplo. Nesse sentido, a doutoranda em direito pela PUC-SP Carla Benedetti afirma que “as mudanças normativas ocorridas com a Reforma Previdenciária, através da Emenda Constitucional 103/2019, estão em desacordo com princípios constitucionais basilares como a dignidade da pessoa humana, igualdade e vedação ao retrocesso social.”
A advogada defende uma revisão da reforma de 2019, em vez de uma nova reforma. Ela argumenta que “é necessário revermos o que foi feito para uma solução condizente com os princípios da Constituição que são a base da existência do sistema previdenciário brasileiro”.
A especialista destaca que a crescente informalidade, a precarização do trabalho e o envelhecimento da população, que levam o governo a buscar alternativas para equilibrar as contas, são também motivos de preocupação. “Temos mais idosos no mercado de trabalho e também na informalidade. Pessoas que precisam não só fazer frente ao custo de vida, mas também auxiliar no sustento da família”, afirma.
Dados do PNAD (Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios), apontam que em 2018 já contávamos com 40,3% de desempregados entre a população idosa, não aposentada. O que é agravado pelas mudanças impostas na reforma, seguido pela pandemia, diz Carla: “Às imposições trazidas pela reforma de 2019 obrigam essa população a ficar ainda mais tempo no mercado, sem que haja de fato oferta de empregabilidade para a faixa ao mesmo tempo que não as permite a aposentadoria, aumentando a vulnerabilidade dessa população”.
O debate sobre a desvinculação de benefícios do salário mínimo deve continuar nos próximos meses, assim como abrir oportunidade para novos debates, como os realizados anteriormente. “Esse é o momento para debatermos a direção das normas previdenciárias e garantir que elas permaneçam em compromisso com a dignidade da pessoa humana, garantindo vida digna a população brasileira “, finaliza a advogada.
Sobre Carla Benedetti: Carla é sócia da Benedetti Advocacia; mestre em Direito Previdenciário pela PUC/SP; doutoranda em Direito Constitucional também pela PUC/SP; membro da Academia de Letras, Ciências e Artes de Londrina/PR; associada ao IBDP (Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário); e coordenadora de pós-graduação em Direito Previdenciário.