Este é o segundo pior resultado registrado desde 2014, quando o Cimi começou a utilizar dados oficiais para contabilizar homicídios de indígenas. A metodologia não inclui 17 homicídios classificados como culposos, ou seja, não intencionais.
Os 208 assassinatos em 2023 representam um aumento de 15,5% em comparação com os 180 registrados em 2022. Esse resultado contrasta com a diminuição geral de homicídios no país, que segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, reduziu-se em 3,4% no mesmo período.
Os autores do relatório destacam que neste ano acessam uma base de dados mais abrangente e atualizada para tabular os casos de assassinatos, suicídios, mortalidade infantil e mortes por falta de assistência à saúde entre indígenas, o que pode ter contribuído para números mais elevados e dificulta a comparação com anos anteriores.
Roraima (47), Mato Grosso do Sul (43) e Amazonas (36) lideram o ranking de estados com o maior número de assassinatos em 2023, somando quase 40% dos homicídios registrados em 26 das 27 unidades federativas. A maioria das vítimas (171) tinha entre 20 e 59 anos e foram identificadas como homens (179), enquanto 29 eram mulheres.
“O contexto institucional de ataque aos direitos indígenas foi espelhado, em várias regiões do país, pela continuidade das invasões, conflitos e ações violentas contra comunidades, além da manutenção de altos índices de assassinatos, suicídios e mortalidade infantil entre esses povos”, acrescentam os responsáveis pelo relatório.
Os dados do Cimi são compilados por suas equipes a partir do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) e informações obtidas pela Lei de Acesso à Informação junto à Secretaria de Saúde Indígena (Sesai). Em 2021, foram contabilizados 203 óbitos por agressão contra indígenas; 216 em 2020; 196 em 2019; 135 em 2018; 110 em 2017; 118 em 2016; 137 em 2015 e 138 em 2014.
“Os conflitos em torno dos direitos indígenas nos três Poderes da República refletiram-se, em 2023, em um cenário de contínua violência e violações contra os povos originários e seus territórios”, aponta o Cimi no relatório, destacando que o ano passado foi marcado por uma série de conflitos territoriais e assassinatos decorrentes de brigas ou desavenças, muitas vezes exacerbadas pelo consumo de álcool.
O documento também menciona dados preocupantes sobre outras formas de violência contra os povos indígenas, incluindo a morte de pelo menos 670 crianças indígenas entre zero e 4 anos por causas evitáveis, além do registro de 180 suicídios entre indígenas.
Em relação aos direitos territoriais, o relatório registra 1.276 casos de violência, incluindo omissões e morosidades na regularização de terras (850), conflitos (150) e invasões ilegais, exploração de recursos naturais e danos ao patrimônio (276).
O Cimi também denuncia o que classifica como “violência por omissão do poder público”, destacando casos de falta de assistência geral (66), problemas na educação escolar (61) e na saúde (100).
O relatório critica a falta de uma postura clara do governo federal na defesa dos territórios indígenas, especialmente diante da incerteza em relação à Lei nº 14.701, conhecida como marco temporal.
De acordo com essa tese, os indígenas só teriam direito aos territórios originários que ocupavam ou reivindicavam até 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal. Após um veto inicial do presidente, o Congresso Nacional derrubou a medida, mantendo o marco temporal.
A disputa entre Executivo e Legislativo foi judicializada, e a Suprema Corte suspendeu o julgamento de ações sobre o tema para instaurar um processo de conciliação, previsto para começar em agosto.
“A morosidade e a falta de uma posição clara do governo federal na defesa dos territórios indígenas influenciaram diretamente o alto número de conflitos registrados, muitos dos quais envolvendo intimidações, ameaças e ataques violentos às comunidades indígenas”, afirmam os autores do relatório.
Segundo a Funai, após seis anos de paralisação, o governo federal homologou oito novas terras indígenas no ano passado e destinou mais de R$ 200 milhões para ações de proteção e demarcação territorial, além de R$ 5,3 milhões em indenizações por benfeitorias a ocupantes de boa-fé retirados de terras indígenas.

REDAÇÃO QCE NEWS