Apesar do histórico sindical do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e de discursos pró-trabalhadores, o governo federal tem recorrido à Justiça contra greves de servidores públicos. Mesmo dizendo que “ninguém será punido nesse país por fazer uma greve”, a Advocacia-Geral da União (AGU) requereu a aplicação de multa contra entidades grevistas, bem como o desconto dos dias não trabalhados de funcionários mobilizados (o chamado corte do ponto).
O caso mais recente foi a ação protocolada no Superior Tribunal de Justiça (STJ) pedindo a suspensão da greve de servidores do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), sob o argumento de que a paralisação prejudica serviços essenciais, como o pagamento de aposentadorias e benefícios assistenciais. “A deflagração da greve, nesses termos, é ilegal e abusiva, e acarreta enormes impactos sociais que comprometem os direitos fundamentais dos segurados”, sustentou a AGU na ação apresentada na última terça-feira (23/7).
A presidente do Tribunal, ministra Maria Thereza de Assis Moura, acatou o pedido e determinou que cada agência da Previdência Social funcione com, no mínimo, 85% das equipes. O desrespeito à decisão está sujeito à multa diária de R$500 mil. Servidores do INSS receberam essa e outras medidas recentes como “um ataque direto para desmobilizar a greve”.
O diretor do Sindicato dos Trabalhadores Federais da Saúde, Trabalho e Previdência no Rio Grande do Sul (Sindisprev-RS), Daniel Emmanuel, diz que o governo age de modo contrário ao que pregou em campanha. “O governo rasgou e jogou no lixo todo o discurso de campanha em defesa das liberdades democráticas e dos direitos. As falas do presidente Lula, de que não iria punir grevistas, e já na primeira semana de greve dos trabalhadores do INSS, fizeram o que nem o governo Bolsonaro teve coragem de fazer na greve de 2022”, afirmou Emmanuel.
Já no começo de julho, a AGU conseguiu uma decisão do STJ contra a greve de servidores de órgãos ambientais. O ministro da Corte Og Fernandes listou os grupos que devem retornar ao trabalho, “considerando a natureza essencial das atividades envolvidas, que estão relacionadas à execução da política de proteção e defesa do meio ambiente”. O magistrado, porém, não entrou no mérito acerca da legalidade ou não do movimento grevista.
Lula defende direito à greve
Entre as décadas de 1970 e 1980, Lula, então metalúrgico, liderou greves de operários no ABC Paulista por aumento salarial e melhores condições de trabalho. Foi nessa época em que ele ganhou proeminência nacional e internacional, e adquiriu a experiência que o cacifou para entrar na política institucional a partir de meados da década de 1980. Em seu terceiro mandato, o presidente se vê às voltas com as pressões do funcionalismo público, que trouxe um acúmulo de insatisfações dos dois governos anteriores (Temer e Bolsonaro).
Neste ano de 2024, com a explosão de movimentos grevistas, Lula se classificou como “o único presidente do mundo” que não pode reclamar de greve. “Eu nasci na greve. Eu sou filho, pai, irmão, tio das greves. Eu sempre acho que os trabalhadores têm o direito de se manifestar. O que é importante é que, antes de a gente chegar às vias de fato, a gente tente negociar o máximo possível”, sustentou.
Em junho, em meio à dificuldade em se avançar nas negociações com professores e técnicos-administrativos de universidades e institutos federais, Lula disse que “todo e qualquer movimento de trabalhadores tem o direito de fazer greve, de reivindicar”, mas ponderou: “O que as pessoas não podem esquecer é o que já foi feito, é o que já foi oferecido”. O petista também defendeu, dentro desse contexto de greve na educação superior, que as paralisações precisam ter “tempo de começar e terminar”, e pediu que os dirigentes sindicais não adotassem a linha do “tudo ou nada”.
O governo chegou a assinar um acordo com apenas uma entidade sindical, e dias depois concedeu a ela registro sindical. Um mês depois, conseguiu a concordância das entidades que ainda resistiam à oferta do governo. Em 2023, para aplacar o ímpeto grevista e dar uma primeira sinalização ao funcionalismo, foi concedido um reajuste salarial linear de 9%, aplicado a todos os servidores. Já a partir deste ano, as negociações passaram a ser feitas categoria por categoria, sendo que a maioria só recebeu correção nos valores dos benefícios (auxílio-saúde, auxílio-alimentação e auxílio-creche), sem reajuste nas remunerações.
No fim de dezembro, o governo Lula publicou uma nova instrução normativa sobre as greves dos servidores públicos, com validade a partir de 2 de janeiro de 2024. O documento mudou a última regulação sobre o assunto, redigida em 2021 pelo governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). As principais mudanças foram a notificação “imediata” da paralisação com, no mínimo, 72h (três dias) de antecedência — no passado, o aviso deveria ser feito 48h (dois dias) antes do começo da greve. Ao cumprir esse passo, os servidores poderão compensar as horas usadas na greve.
Agora, a atualização sobre o andamento da paralisação total ou parcial deverá ocorrer diariamente, assim como o número de funcionários que aderiram e os locais afetados pelo movimento. Antes, eram exigidas apenas atualizações, sem estipulação de periodicidade. A ausência dos funcionários, pela determinação atualizada, passou a ser marcada apenas como “falta”, enquanto a edição passada taxava a greve como motivo para a falta.
O Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI), da ministra Esther Dweck, formou um grupo de trabalho (GT) para elaborar a minuta de um projeto de lei sobre a negociação das relações de trabalho e o exercício do direito de greve nos serviços públicos. A expectativa era concluir esse normativo até o fim do primeiro semestre de 2024. O GT encarregado de escrever o projeto já foi encerrado e agora o texto é analisado pela Casa Civil.
“Estamos fazendo o máximo de esforço para vencer todas as etapas burocráticas e acelerar o processo. Já conversei com parlamentares para que, quando essa proposta chegar lá, tanto da negociação sindical quanto do direito de greve, ela possa avançar”, destacou o secretário de Relações de Trabalho do MGI, José Lopez Feijóo, em março. Uma das principais discussões no âmbito desse projeto é sobre a listagem das atividades essenciais e inadiáveis. O texto também deverá regulamentar a negociação das relações de trabalho. O Poder Executivo federal tem 571 mil servidores, dos quais 250 mil ganham até R$10 mil, de acordo com dados do Ministério da Gestão.
Fonte: metropoles